“ESTUDOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS”

“ESTUDOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS”

Tradução de Synopsis of the Books of the Bible – John Nelson Darby

SEGUNDA EPÍSTOLA A TIMÓTEO CAPÍTULO 4

Continuação do vol. 36, n° 3, página 139

Note-se que o apóstolo insiste, como assunto da maior responsabilidade, em que Timóteo devia dedicar-se ao seu ministério com a máxima energia, visto a Igreja declinar e a vontade própria dos Cristãos levantar a cabeça, não duvidando, porém, de que se tratasse de um dever perpétuo, de todos os tempos, quer eles fossem felizes ou infelizes. O apóstolo, como vimos já, fala de duas épocas diferentes: Fala do declínio da Igreja tal como tinha já  lugar, e de um estado ainda pior, que havia de chegar. A aplicação especial da exortação que encontramos aqui refere-se ao primeiro período. "Insta, a tempo e fora de tempo", diz o apóstolo, "porque virá tempo em que não sofrerão a sã doutrina... E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas".

De que maneira positiva, e com que clareza o apóstolo nos apresenta aqui a queda da Igreja! A sua degradação naquele tempo não era aos seus olhos senão o começo do mal, que, de acordo com o seu julgamento em Espírito, devia progredir para uma queda ainda mais completa, quando, embora tendo o nome de Cristãos, o conjunto dos que então usavam nome de Cristo já não suportasse o sã ensinamento do Espírito Santo. Fosse como fosse, o apóstolo queria que Timóteo trabalhasse com paciência, diligência e energia, enquanto os Cristãos quisessem escutá-lo; que fosse sóbrio em tudo, sofresse as aflições, procurasse as almas ainda por converter (isto é uma grande prova de fé, quando o coração está oprimido com o peso da infidelidade daqueles que já estão dentro) e que exercesse plenamente o seu ministério, encontrando mais um' motivo para isso no fato de que a energia apostólica desaparecia da cena (verso 6).

Mas resta ainda uma coisa a notar no início deste capítulo: A plenitude da graça - isto é evidente­ não caracteriza esta epístola. A exortação do apóstolo a Timóteo é .. diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há-de julgar os vivos e os mortos, na Sua vinda e no Seu Reino". Já o dissemos, a aparição de Jesus está em relação com a responsabilidade; a Sua vinda tem por fim chamar-nos para junto de Si, em relação com os nossos privilégios. Aqui trata­-se da primeira dessas duas coisas, e não da Igreja, nem da casa do Pai, mas sim de Deus, da aparição e do Reino. Tudo o que está em relação com a responsabilidade, o governo, o Julgamento, é reunido num só ponto de vista. Mas o apóstolo não toca mais aqui do que em outro lugar, nesta epístola, no assunto da Igreja. De resto, a Igreja, como tal considerada, não é julgada; ela é a Esposa do Cordeiro. Os indivíduos é que são julgados. A Cristandade, o que tem esse nome e a responsabilidade, e isto necessariamente enquanto o Espírito Santo estiver neste mundo, é que é julgada. Somos advertidos disso em Éfeso (Apocalipse 2). É mesmo ali que começa o Julgamento. É a Igreja considerada como casa - e não como corpo.

A porção da Igreja, e mesmo dos seus membros, como tal considerados, é a graça e não o Julgamento. A Igreja vai ao encontro do Senhor, antes de Ele aparecer. Aqui o apóstolo fala da aparição de Jesus e do Seu Reino; é como tendo já entrado na Sua glória, e estando revestido da autoridade do Reino, que Ele julgará. A apresentação da Igreja a Si mesmo culmina a obra da graça a Seu respeito. Quando o Senhor aparecer, nós apareceremos com Ele em glória; mas esta glória será a do Reino, como se vê na transfiguração - e o Senhor julgará os vivos.

Ele manterá a autoridade do Seu Reino, como sendo de uma nova ordem de coisas, durante muito tempo; e o Julgamento exercer-se-á, se assim acontecer, enquanto durar esse estado de coisas, porque um Rei reinará em Justiça, estando o Julgamento ligado à Justiça. Antes de reconduzir esse Reino a Deus Pai, Jesus julga os mortos, porque todo o Julgamento é confiado ao Filho, de sorte que o Reino é uma nova ordem de coisas, estabelecido pela Sua aparição, e no qual o Julgamento se efetua. O Reino é fundado quando Satanás é excluído do Céu; é estabelecido, e a sua autoridade começa a ser exercida aquando da aparição do Senhor.

A consciência de que esse Julgamento vai ter lugar dá o seu impulso ao amor, no exercício do ministério; imprime-lhe seriedade, fortifica as mãos pelo sentimento da união do servo de Deus com Aquele que exerce o Julgamento, e até mesmo pelo sentimento da sua própria responsabilidade.

Paulo apresenta a sua próxima partida como mais um motivo para levar Timóteo a cumprir plenamente a sua missão - e o seu coração regozija-se com o pensamento dessa partida.

A ausência do ministério apostólico, fato tão sério acerca da posição da Igreja, toma o dever do homem de Deus muito mais premente. Assim como a ausência do apóstolo é um motivo para que cada fiel trabalhe pela sua própria salvação com temor e tremor, é - o também para que aquele que está comprometido na obra se dedique mais que nunca ao seu ministério, a fim de substituir tanto quanto possível a obra apostólica pelo cuidado que vota às almas e pelo ensino da verdade que aprendeu.

Não se pode ser agora apóstolo nem pôr o fundamento da Igreja. Essa obra já esta feita. Mas podemos edificar sobre esse fundamento, pela verdade que se recebeu dos apóstolos, pelas Escrituras que Deus nos deu por um verdadeiro amor pelas almas, que não se cansa. Não se pode fundar duas vezes. Dá-se o seu valor ao fundamento, dá-se-lhe o seu lugar construindo em cima, cuidando das almas e da Igreja, às quais o apostolado deu perante Deus um lugar e um fundamento que permanecem para sempre. É o que temos de fazer na ausência do dom que pôs esse fundamento.

O caráter segundo o pensamento de Deus foi já impresso sobre a obra. Foi posto o único fundamento. A Igreja tem uma só e única posição de acordo com os desígnios de Deus. A regra dada por Deus está na Sua Palavra. Temos de atuar no sentido do apóstolo, segundo o impulso já dado pelo Espírito; mas não poderíamos ter a autoridade apostólica. Ninguém é agora apóstolo nesse sentido. É impossível ser apóstolo agora, porque nós não colocamos o fundamento.

Tentar fazê-lo seria renegar o que foi feito, porque o fundamento já foi posto. Podemos, sim, atuar na medida do dom que recebemos, e de uma maneira tanto mais dedicada quanto amarmos a obra do apóstolo, porque ele já aqui não está em pessoa para a sustentar.

Quanto a Paulo, ele tinha feito a sua obra. Se os outros eram infiéis, ele tinha sido fiel. No bom combate do Evangelho de Deus, ele tinha combatido até ao fim e resistido com sucesso a todos os ataques do Inimigo (verso 7). Tinha concluído a sua carreira; já só lhe faltava o ser coroado. Tinha guardado a fé que lhe tinha sido confiada; a coroa de Justiça, isto é, a que vinha do Justo Juiz, que reconhecia a sua fidelidade, estava reservada e guardada para ele, mas só no dia da retribuição ele a receberá. Trata-se, como claramente se depreende, de recompensa pela obra e pela fidelidade. A idéia de fidelidade perante a responsabilidade - ou também de infidelidade - dá o seu caráter a toda a epístola, e não a idéia dos privilégios da graça.

A obra do Espírito por nosso meio é recompensada pela coroa de Justiça, e cada qual receberá a sua recompensa segundo o seu trabalho. Cristo coloca-nos a todos, de harmonia com a graça de Deus, no gozo da Sua própria glória, com ele mesmo e semelhantes a E1e. É a nossa porção comum, segundo os eternos desígnios de Deus; mas um lugar é preparado pelo Pai e dado pelo Filho de acordo com a obra operada pelo poder do Espírito Santo em cada crente, na sua posição particular. Não será Paulo o único que receberá essa coroa do Justo Juiz. Todos aqueles que amam a aparição de Jesus aparecerão com Ele na glória que é pessoalmente destinada a cada um, e de que cada qual será revestido quando Ele aparecer. Separado deste mundo, sabendo que é um mundo perverso e rebelde, sentindo no seu coração o peso do reino de Satanás, o fiel deseja a aparição d'Aquele que porá fim a esse reino, à rebelião, à opressão e à miséria, trazendo na Sua bondade - embora seja por meio do Julgamento - a libertação, a paz e a liberdade do coração sobre a Terra.

O Cristão terá parte na glória do Senhor, quando Ele aparecer; mas este mundo também será libertado.

Notar-se-á ainda aqui que não se trata dos privilégios da Igreja, como tal considerada, mas sim da retribuição pública que será manifestada, quando Jesus aparecer a todos, e do estabelecimento, público da Sua glória. O coração deseja a Sua aparição, não só porque o mal é banido, mas também porque se trata da vinda d'Aquele que tira o mal.

No que se segue vê-se quão grande era o progresso que esse mal tinha já feito, e como o apóstolo conta com a afeição individual do seu querido filho na fé. Havia, provavelmente, boas razões para o afastamento de vários, e, certamente, para o de alguns; mas a primeira coisa que se apresenta ao espírito do apóstolo é o afastamento de Demas, por motivos puramente mundanos. O apóstolo sentia-se isolado. Não só a massa dos Cristãos o tinha abandonado, mas também os seus companheiros de trabalho se tinham afastado. Segundo a providência de Deus, ele devia estar só. Pede a Timóteo que venha em breve. Demas tinha ­o abandonado; os outros tinham­ no deixado por diversos motivos, sendo alguns enviados por ele mesmo no interesse da obra. Não nos é dito que Demas tivesse deixado de ser Cristão, que tivesse publicamente abandonado o Senhor, mas não tinha coragem suficiente para levar a cruz com o apóstolo.

No meio desses sofrimentos, um raio de luz e de graça brilha através das trevas. A presença de Marcos, de quem Paulo tinha, em tempos, recusado o serviço, por Marcos ter recuado perante os perigos da obra entre os Gentios e ter voltado a Jerusalém, essa presença ele a deseja agora, porque Marcos era útil para o ministério. É singularmente interessante ver, e é uma prova impressionante da graça de Deus, como a aflição do apóstolo e a obra da graça em Marcos se reúnem para porem em evidência como fiel e útil a Paulo aquele que um dia tinha faltado e com quem o apóstolo não tinha querido manter relações antes. Vemos também manifestarem-se as afeições e a confiança nos mais pequenos pormenores da vida. Poderoso pelo Espírito de Deus, o apóstolo é complacente, íntimo e confiante com espíritos retos e dedicados. Vê-se também que, no fim da sua vida, por muito dedicado que ele tivesse sido, se lhe tinha proporcionado a ocasião para estudar {certamente em relação com a sua obra} e para escrever o que ele queria que fosse cuidadosamente conservado {verso 13}. É possível que se tratasse das suas próprias epístolas.

Isto tem um lugar importante na instrução escriturística a respeito da vida do apóstolo. O próprio Paulo está perdido, por assim dizer, para a grande maioria no poder do Espírito; mas, estando só e com serenidade ocupa-se inteligentemente e com cuidado das coisas de Deus.

Paulo adverte Timóteo acerca de um homem hostil e põe-no em guarda contra ele.

Vê-se também que esta epístola tem por objeto o caráter de Justiça, tendo a graça tido o seu curso: "O Senhor - diz ele­ lhe dará a paga segundo as suas obras" {verso 14}. Paulo ora por aqueles que não tiveram a coragem de permanecer junto dele, quando teve de se defender como prisioneiro. Mas não se sentiu desencorajado. O seu coração, destroçado pela infidelidade da igreja, permaneceu firme, confessando o Senhor perante o mundo; e pôde dar testemunho de que, se foi abandonado pelos homens, o próprio Senhor o assistiu e o fortaleceu {verso 17}. Estar perante a autoridade, para lhe responder, não é, para Paulo, senão uma ocasião para anunciar de novo publicamente a razão porque foi feito prisioneiro. Glorioso poder do Evangelho, onde a fé está em exercício! Tudo o que o Inimigo pode fazer dá como resultado um testemunho, para que os grandes, os reis, aqueles que, de outro modo, seriam inacessíveis ouçam a Palavra da verdade, o testemunho de Jesus Cristo.

Esta fiel testemunha era também liberta da boca de leão; a sua simples e firme confiança contava com o Senhor até ao fim. Ele o guardaria de toda a obra maligna e o levaria o salvo para o seu reino celestiaI.

Se o momento do seu desalojamento estava próximo, se devia dormir em lugar de ser transformado, nem por isso tinha deixado de ser daqueles que desejavam o regresso do senhor. Partia na esperança de estar ao pé d'Ele, de ter um lugar no reino celestiaI.

Paulo saúda os irmãos com os quais Timóteo se encontrava em relação e pede a este que venha antes do Inverno. Aprendemos aqui que o poder miraculoso concedido aos apóstolos se confinava ao serviço do Senhor, e não era usado no seu próprio interesse ou segundo as suas afeições pessoais. Paulo tinha deixado Trófimo doente em Mileto.

É evidente que a epístola, que acabamos de percorrer foi escrita quando o apóstolo aguardava a sua próxima partida, e quando a fé dos Cristãos tinha baixado de uma maneira bem aflitiva, como o testemunhava o abandono em que eles o tinham deixado. A sua fé mantinha-se pela graça. Paulo não escondia que tudo ia mal. O seu coração bem o sentia, e estava amargurado por causa disso. Pressentia que as coisas iriam piorar, mas o seu próprio testemunho continuava de pé e firme para o Senhor, por graça. A graça do Senhor estava com ele, a fim de que confessasse Cristo e exortasse Timóteo a um exercício do seu ministério tanto mais assíduo e dedicado quanto os tempos estavam adversos. .

Isto é muito importante. Se amamos o Senhor, se sentimos o que Ele é para a Igreja, também sabemos que nesta tudo esta arruinado. A coragem pessoal não enfraqueceu, porque o Senhor permanece sempre o mesmo: Fiel e exercendo o Seu poder em nosso favor. Se isto se não der na Igreja, que não quer nada desse poder, dar-se-á naqueles que têm a certeza de que Ele exercerá o Seu poder, segundo as necessidades individuais criadas por esse estado de coisas.

Saibamos lembrar-nos disso!

A insensibilidade no estado da Igreja não é prova de que estamos perto do Senhor ou de que temos confiança n'Ele; mas, na consciência dessa ruína, a fé, o sentimento do que Cristo é, dá confiança n'Ele, no meio da ruína que lamentamos. Note-se no entanto que, em tudo isto, o apóstolo fala do indivíduo, da Justiça, do Julgamento, e não da Igreja. Quando fala desta como sendo a grande casa, essa casa contém vasos para desonra de que devemos purificar-nos. Mas o apóstolo previa um estado ainda pior do que aquele no meio do qual ele se encontrava - e nós bem temos visto o cumprimento dessa profecia. O Senhor não falta nunca à Sua fidelidade.

A Primeira Epístola a Timóteo dá diretrizes quanto à ordem na Igreja; a segunda dá-as quanto ao caminho do servo de Deus, quando a Igreja está em desordem e em decadência.

 

Referências para o estudo bíblico - Dicas para a escola dominical