“ESTUDOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS” - I PEDRO 2

“Estudos sobre a palavra de Deus”

Tradução de “Synopsis of the Books of the Bíble- Jonh Nelson Darby

PRIMEIRA EPÍSTOLA DE S. PEDRO – CAPÍTULO 2

Portanto, assim purificados e nascidos da Palavra, os crentes têm de pôr de lado toda a espécie de malícia, de fraude, de hipocrisia, de inveja, de maledicência, e, como filhos nascidos de novo, procurar esse leite da inteligência, que se encontra na Palavra, a fim de crerem por seu intermédio, porque a Palavra é o leite da criança, como tinha sido a semente da sua vida; e nós temos de a receber como meninos, em toda a simplicidade, se, de fato, provamos que o Senhor é bom e pleno de graça. Não foi ao Sinai que eu vim ou do qual Deus fala, onde o Eterno Deus proclama a Sua lei do meio do fogo, de tal modo que os que estavam lá pediam para não ouvirem mais a Sua voz; se eu provei e compreendi que o Senhor atua em graça, que Ele é Amor para comigo, e que a Sua Palavra é a expressão desta graça, como ela comunica a vida, eu desejarei alimentar-me desse leite da inteligência de que o crente goza de harmonia com a sua simplicidade; eu desejarei alimentar-me desta boa Palavra que só me anuncia a graça e o Deus de que eu tenho necessidade, todo graça, pleno de graça, atuando em graça, revelando-Se­-me neste caráter - caráter que Ele não poderia nunca cessar de manter a meu respeito, tornando­-me participante da Sua santidade.

Conheço agora o próprio Senhor, provei o que Ele é. Aliás, o que o apóstolo diz, põe sempre o Cristianismo em contraste com o estado legal dos Judeus, embora isso seja o cumprimento daquilo que os Salmos e os profetas tinham declarado; tendo, além disso, a ressurreição claramente revelado uma esperança celestial. São os próprios crentes que constituem agora a casa espiritual, o sacerdócio santo. Vêm a esta Pedra Viva, rejeitada dos homens, é verdade, mas escolhida de Deus e preciosa, e eles são edificados sobre Ela" como pedras vivas". O apóstolo gosta desta palavra "viva" . Foi a ele que o Pai revelou que Jesus era o Filho do Deus vivo. Nenhum outro, além dele, confessou tal coisa; e o Senhor tinha-lhe dito que sobre esta Pedra, isto é, sobre a Pessoa do Filho de Deus em poder de vida (manifestada na ressurreição, onde Ele foi declarado como tal), Ele edificaria a Sua Igreja. Pedro, pela sua fé, participava da natureza dessa Rocha viva. Portanto aqui (v.S), Pedro estende esse caráter a todos os crentes, e mostra a santa casa edificada sobre a Pedra Viva que o próprio Deus colocou como Pedra Angular, escolhida e preciosa. Quem nela crer não será confundido! (1).

Ora, não era só aos olhos de Deus que esta Pedra era preciosa, mas também aos olhos da fé que, por mais fracos que sejam aqueles que a possuem, vêem como Deus vê. Para os incrédulos, esta Pedra era uma pedra-de-tropeço e de escândalo. Eles tropeçaram na Palavra sendo desobedientes, ­para o que também estavam destinados. O apóstolo não diz que eles estavam destinados para o pecado, nem para a condenação; mas esses pecadores incrédulos e desobedientes - a raça judia, longo tempo rebelde e sublevando-se continuamente contra Deus - estavam destinados a encontrarem no próprio Senhor de graça uma pedra-de-tropeço, e a tropeçar, e a cair sobre Aquele que era para a fé a Pedra preciosa de salvação. Era para esta queda particular que a sua incredulidade estava destinada.

Os crentes, pelo contrário, entravam no poder das promessas feitas a Israel, e da maneira mais excelente. A própria graça e a fidelidade de Deus trouxeram o cumprimento da promessa na pessoa de Jesus, Ministro da Circuncisão para a verdade de Deus, a fim de cumprir as promessas feitas aos pais. E embora a nação tenha rejeitado, Deus não quis privar da bênção aqueles que, não obstante toda esta dificuldade para a fé e para o coração, se submeterem à obediência da fé e se unirem Àquele que era o desprezado do povo. Eles não puderam ter a bênção de Israel com a nação sobre a Terra, porque a nação O tinha rejeitado; mas foram plenamente introduzidos nas relações com Deus de um povo aceite por Ele. O caráter celestial que revestia então a bênção não destruía a sua aceitação segundo a promessa; simplesmente, entraram na bênção segundo a graça. Porque a nação, como nação, O tinha perdido, não só desde longa data, por desobediência, mas também agora, rejeitando Aquele que vinha em graça comunicar-lhe o efeito da promessa.

1) Nesta passagem, e só nesta, Pedro fala da igreja com o caráter de um edifício, e não o de um corpo ou de uma esposa; fala daquilo que Cristo edificou, e não daquilo que Lhe está unido. Paulo também nos apresenta a mesma coisa em Efésios 2:20-21. Sob este ponto de vista, embora prosseguindo sobre a Terra, é a obra de Cristo a fazer-se de maneira continua; não se trata de uma ação humana. Eu edificarei, diz Cristo; Ele crê, diz Paulo; as pedras vivas vêm, diz Pedro. É preciso não confundir estas frases com o edifício que os homens podem edificar de madeira, de palha ou de colmo. Porém, aquilo que Deus fez bom e deixou à responsabilidade do homem, bem depressa se corrompeu, como sempre... Os indivíduos são edificados pela graça, e o edifício cresce para ser um templo santo. Tudo isto se refere a Mateus 16. A responsabilidade do serviço do homem a este respeito encontra-se em 1 Coríntios 3, onde a Igreja nos é apresentada sob um outro ponto de vista. O corpo é outra coisa, cuja doutrina é exposta em Efésios 1-4, em 1 Coríntios 12 e em outras passagens.

O apóstolo, por conseguinte, aplica o caráter de "nação santa" ao Remanescente eleito, revestindo os crentes, pelo que concerne à Terra, dos títulos concedidos por Deus a Israel, no capítulo 19 de Êxodo, sob condição de obediência; mas aqui, em relação com o Messias, o gozo desses títulos é fundado sobre a Sua obediência e sobre os direitos que eles adquiriram pela fé em Jesus Cristo.

Ora, sendo os privilégios do remanescente crente fundados sobre o Messias, o apóstolo vai mais longe e aplica a esse Remanescente as declarações de Oséias, que se referem a Israel e a Judá restabelecidos na plenitude da bênção nos últimos dias, e gozando dessas relações com Deus, nas quais a graça os introduzirá nessa altura. "Vós sois - diz ele - a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido" . São, pouco mais ou menos, as palavras de Êxodo, no capítulo 19. Depois continua:

"Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus; que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia". Estas são as palavras de Oséas, no capítulo 2. Isto apresenta-nos, da maneira mais interessante, os princípios sobre os quais a bênção é fundada. Em Êxodo, o povo devia ter parte nesta bênção, se obedecesse rigorosamente à voz de Deus. Ora, Israel não tinha obedecido: Tinha sido rebelde e irritante; tinha seguido deuses estrangeiros e rejeitado o testemunho do Espírito Santo. Todavia, e apesar das suas infidelidades, o próprio Deus tinha posto uma Pedra em Sião, uma Pedra Angular, e todo aquele que cresse em Jesus Cristo não devia ser confundido. É a graça! ... Quando Israel, tendo faltado sob todos os aspectos e tudo perdido no terreno da obediência, nada merecia, Deus, em graça, por Jesus, dava-lhe o que lhe tinha sido prometido no princípio sob condição da obediência! Desta maneira, tudo lhe estava assegurado!

A questão da obediência tinha sido resolvida - acerca da desobediência de Israel - por graça e pela obediência de Cristo, fundamento posto por Deus em Simão. E este princípio da graça superabundando sobre o pecado - pelo qual se mostra a incapacidade da desobediência em frustrar os desígnios de Deus, porque esta graça vinha após o cumprimento da desobediência - este princípio tão glorioso e tão consolador para o pecador convencido é confirmado de uma maneira impressionante pela citação de Oséias. Nesta passagem do profeta, Israel é apresentando, não só como culpado, mas também como tendo já sofrido o seu Juízo. Deus tinha declarado que já não teria misericórdia (quanto à Sua paciência a respeito das dez tribos), e que Israel já não era o Seu povo (no Seu Juízo sobre o infiel Judá). Mas em seguida, após a execução do juízo, Deus volta aos Seus desígnios irrevogáveis de graça e atrai Israel como uma mulher abandonada, e dá-lhe o Vale de Acor - o vale de perturbação, onde Acã tinha sido lapidado, primeiro julgamento sobre Israel infiel, após a sua entrada na terra da promessa ­como porta da esperança. O Juízo é mudado em graça, e Deus recomeça tudo de novo, sobre um novo princípio. Era como se Israel saísse de novo do Egito, mas sobre um princípio inteiramente novo. Jeová desposa-o para sempre, em Justiça, em Juízo, em graça, em misericórdia - e tudo é bênção! Chama-o então "Rukhama" ou "objeto de misericórdia", e "Ammi, meu povo!". O apóstolo serve-se, pois, destas expressões do profeta, aplicando-as ao Remanescente que cria em Jesus, a pedra-de-tropeço para a nação, mas a Pedra Angular da parte de Deus para o crente. Deste modo, a condição é tirada, e, lugar de uma condição, temos a bênção após a desobediência, e, após o Juízo, a plena e assegurada graça de Deus, fundada (na sua aplicação aos crentes) sobre a Pessoa, a obediência e a obra de Cristo.

É impressionante ver a expressão desta graça no termo de "Acor". Era o primeiro julgamento sobre Israel, na terra da promessa, porque se tinha profanado pelo interdito. E é ali que a esperança é dada! E tanto isto é verdade que a graça triunfa completamente da justiça. Isto aconteceu da maneira mais excelente em Cristo. O Juízo de Deus tornou-se, nEle, a porta da esperança, sendo a culpabilidade e o julgamento igualmente passados para sempre.

As duas partes da vida cristã, enquanto manifestação do poder espiritual, resultam, no duplo sacerdócio, do fato de uma responder à posição atual de Cristo no Céu, e a outra, por antecipação, à manifestação da Sua glória sobre a Terra. São os sacerdócios de Aarão e de Melquidezeque. Porque Ele está agora adentro do véu, segundo o tipo de Aarão; mais tarde, Ele será Sacerdote no Seu trono, e isto constituirá a manifestação pública da Sua glória sobre a Terra. Assim, os santos exercem "um sacerdócio santo" (v.8), para oferecerem sacrifícios espirituais de louvores e de ações de graça. Doce privilégio do Cristão, assim introduzido tão perto quanto possível de Deus! Oferece os seus sacrifícios a Deus com a certeza de que serão aceitos, porque é por Jesus que os oferece.

Esta parte da vida cristã é a primeira, a mais excelente e a mais vital, a origem da outra que dela é a expressão neste mundo; a mais excelente porque, no seu exercício, estamos em relação imediata com o objeto divino das nossas afeições. Os sacrifícios espirituais são o reflexo, pela ação do Espírito Santo, da graça de que gozamos; são aquilo que o coração faz subir até Deus, sendo movido pelos excelentes dons de que somos os objetos e pelo amor que os conferiu. O coração reflete (pelo poder do Espírito Santo) tudo o que lhe foi revelado em graça, adorando o autor e doador de tudo, segundo o conhecimento que temos dEle próprio por esse meio; os frutos da Canaã celestial, dos quais nós participamos, apresentados em oferta a Deus; a alma entrando na presença de Deus, para O louvar e O adorar.

É o sacerdócio santo, segundo a analogia do sacerdócio de Aarão e do templo em Jerusalém, onde Deus habitava como em Sua casa.

O segundo sacerdócio de que fala o apóstolo tem por fim anunciar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz. A descrição que dele é feita é tirada de Êxodo, capítulo 19, como vimos já. É uma geração eleita, uma nação santa, um sacerdócio real. Não faço alusão ao sacerdócio de Melquidezeque senão para pôr em evidência o caráter de um sacerdócio real. Os sacerdotes, entre os Judeus, aproximavam­-se de Deus. Deus tinha formando o povo para Si mesmo. Ele devia manifestar todas as suas virtudes e publicar os seus louvores. É o que Cristo fará com toda a perfeição no dia da Sua glória. O Cristo é chamado a fazê-lo agora neste mundo. Ele deve imitar Cristo neste mundo. É a segunda parte da sua vida.

Notar-se-á que o primeiro capítulo apresenta o Cristão animado pela esperança, mas sob a provação - a preciosa provação da fé. O segundo capítulo apresenta-no-lo nos seus privilégios, como um santo e real sacerdócio, por meio da fé.

Em seguida (cap. 2:11), o apóstolo começa as suas exortações. Sejam quais forem os privilégios do Cristão nesta posição, é sempre considerado como peregrino na Terra; e, como vimos, o governo constante de Deus é o objeto que se apresenta ao espírito do apóstolo. Mas, em primeiro lugar, adverte os fiéis acerca do que é interior, contra essas fontes de onde jorra a corrupção, que (na cena do governo divino) desonraria o Nome de Deus e acarretaria mesmo o Juízo.

A maneira de viver dos Cristãos, entre os Gentios, devia ser honesta. Eles usavam o Nome de Deus. O espírito dos homens, hostil ao Seu Nome, procurava lançar o opróbrio sobre Ele, atribuindo aos Cristãos todo c mal que os mundanos incrédulos praticavam, sem remorsos. Lamentavam (cap. 4:4) que os Cristãos não quisessem acompanhá-los nos seus excessos e desvarios. Mas o Cristão não tinha senão de prosseguir o caminho da fidelidade para com Deus. No dia em que Deus visitasse os homens, esses caluniadores, com a sua vontade abatida e o seu orgulho destroçado pela presença de Deus, seriam obrigados a reconhecer - por meio das boas obras que, apesar das suas calúnias, tinham sempre atingido a sua consciência - que Deus tinha atuado nesses Cristãos e tinha estado com eles.

Após esta curta, mas importante exortação geral aos crentes, o apóstolo ocupa-se da maneira de ser dos Cristãos em relação com aqueles que os rodeavam, num mundo onde, por um lado, Deus vela sobre todas as coisas, e onde, por outro, permite que os Seus sofram, quer pela Justiça, quer pelo Nome de Cristo; mas onde nunca deveriam sofrer por terem praticado o mal. Assim, o caminho do Cristão está traçado:

Ele está submetido às ordens ou instituições humanas por amor do Senhor. O Cristão deve honrar a todos os homens e a cada qual na sua posição, de modo que

ninguém tenha nada a reprovar­-lhe. Submete-se aos seus senho­res, ainda que eles sejam maus, e suporta as injustiças que eles possam fazer-lhe. Se o servo Cristão só fosse submisso aos amos bons e amáveis, qualquer servo mundano poderia fazer o mesmo; mas se, tendo praticado o bem, o Cristão sofre e suporta com paciência esse sofrimento ­eis o que é agradável a Deus, é a graça!. .. Foi assim que Cristo procedeu, e nós somos chamados a proceder de igual modo. Cristo sofreu horrivelmente, mas nunca respondeu com censuras ou ameaças àqueles que O atormentavam, remetendo-Se apenas Àquele que julga com Justiça. É a Ele que nós pertencemos. Ele sofreu pelos nossos pecados, a fim de que, tendo sido libertados deles, vivamos para Deus. Os Cristãos de entre os Judeus tinham sido como ovelhas desgarradas2, mas agora tinham voltado ao Pastor e Bispo das suas almas. Mas de que sublime maneira essas exortações mostram que o Cristão não é deste mundo, prosseguindo apenas aqui o seu caminho, como peregrino! No entanto, este caminho é o caminho da paz!

 

"Estudos sobre a palavra de Deus” - I Pedro 3