“ESTUDOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS” - HEBREUS 6

“ESTUDOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS”

Tradução de “Synopsis of the Books of the Bible- John Nelson Darby

 

EPÍSTOLA AOS HEBREUS – CAPÍTULO 6

Agora o Espírito Santo não quer deter-Se nesses rudimentos, ensinando os Cristãos, preferindo continuar até à plena revelação da glória de Cristo, que pertence ao homem adulto, ou, se o quisermos, o forma para que ele o seja.

Vê-se facilmente que o escritor inspirado procura fazer sentir aos Hebreus que os colocava numa posição mais elevada, mais excelente, pondo-os em relação com um Cristo invisível e celeste, enquanto que o Judaísmo os retinha na retaguarda, na posição de meninos. Este pensamento caracteriza, de resto, toda a Epístola. No entanto encontramos duas coisas aqui: Por um lado, os rudimentos e o caráter da doutrina que pertencia à infância, no início da Palavra de Cristo, em contraste com o poder e o gosto celeste que acompanhavam a revelação Cristã; por outro lado, qual era a revelação do próprio Cristo em relação com o sistema espiritual e cristão. Mas a epístola faz uma distinção entre o sistema cristão e a doutrina da Pessoa de Cristo, mesmo quando Ele é considerado como homem (1), embora a posição atual de Cristo dê o seu caráter ao sistema Cristão. A distinção é feita, não porque o estado das almas não dependa da medida da revelação de Cristo e da posição que Ele tomou, mas porque a doutrina da Sua pessoa e da Sua glória vai muito mais longe do que o estado atual das nossas relações com Deus.

As coisas de que se fala nos versos 1 e 2 deste capítulo tinham tido o seu lugar quando o Messias estava ainda para vir. Tudo então se encontrava no estado de infância. As coisas de que se fala nos versos 4 e 5 são os privilégios de que os Cristãos gozavam em virtude da obra e da glorificação do Messias. Mas elas não são em si mesmas "o estado de perfeição" mencionado no verso 1 e que se refere mais ao conhecimento da própria Pessoa de Cristo; os privilégios cristãos de que se fala eram o efeito da posição gloriosa da Sua Pessoa no Céu.

É importante prestar atenção a isto para se compreender estas passagens. Nos rudimentos de que se fala nos versos 1 e 2, a obscuridade da revelação do Messias, anunciada, quando muito, por promessas. e profecias, deixava os adoradores sob o jugo das cerimônias e das figuras, embora na posse de algumas verdades fundamentais. A Sua exaltação dava lugar ao poder do Espírito Santo neste mundo, do qual dependia a responsabilidade das almas que o tinham provado.

A doutrina da Pessoa e da glória de Jesus constitui o tema das revelações da Epístola, e era o meio de libertar os Judeus de todo o sistema que tinha sido um bem pesado fardo sobre os seus corações, o meio de os impedir de abandonarem o estado descrito nos versos 4 e 5, para entrarem em fraqueza e voltarem, após o regresso de Cristo, ao estado carnal dos versos 1 e2. Portanto, a Epístola não vem pôr de novo as doutrinas verdadeiras, mas elementares, que pertentem ao tempo em que Cristo não era ainda manifestado; mas quer avançar até à plena revelação da Sua glória e da posição que Ele ocupa, segundo os desígnios de Deus, revelados na Sagrada Escritura. O Espírito Santo não queria voltar a essas coisas antigas, porque as novas, a saber, o Cristianismo, caracterizando pelo poder do Espírito Santo, tinham sido introduzidas em relação com a glória celestial do Messias.

Ora, se alguém, que tinha sido colocado sob a influência desse poder, e que o tinha conhecido, vinha a abandoná-lo, não poderia ser outra vez renovado para arrependimento. As antigas coisas do Judaísmo deviam ser - e tinham sido abandonadas por aquilo em que ele tinha entrado. Os Cristãos não podiam servir-se dessas coisas para atuarem sobre as almas; e, quanto às coisas novas, esse homem as tinha abandonado! Todos os meios oferecidos por Deus tinham sido empregados em favor dele - e nada tinham produzido...

Aquele que, de sua livre vontade, abandonava assim a doutrina cristã, crucificava por si mesmo o Filho de Deus. Associado com o povo, que se tinha tomado culpado da morte do Filho de Deus, ele tinha reconhecido o pecado cometido pelo seu povo e tinha aceitado que Jesus era o Messias prometido. Mas agora, com plena consciência do fato, repetia o crime cometido contra Cristo.

O julgamento, a ressurreição dos mortos, o arrependimento das obras mortas tinham sido ensinados. Sob esta ordem de coisas, a nação tinha crucificado o seu Messias. Mas agora o poder divino tinha chegado, e testemunhava da glorificação do Messias crucificado, do Filho de Deus no céu; e, por meio de milagres, destruía, pelo menos pouco a pouco, o poder do Inimigo, que reinava ainda sobre a Terra. Esses milagres constituíam uma antecipação parcial da plena e gloriosa libertação que teria lugar no porvir, onde o Messias, o Filho de Deus, triunfante, destruiria totalmente todo esse poder. É por isso que são chamados "os milagres do século vindouro" ou "as virtudes do século futuro".

O poder do Espírito Santo, os milagres realizados no seio do Cristianismo eram testemunhos de que o poder que realizaria essa libertação, embora ainda o culto no Céu, existia no entanto na Pessoa gloriosa do Filho de Deus. Esse poder não realizaria ainda a libertação deste mundo oprimido por Satanás, porque, enquanto espera, uma outra obra seria realizada: A Luz de Deus brilhava já! A boa palavra da graça era anunciada! Poder-se-ia saborear o dom celeste, melhor ainda do que a libertação do mundo, e o poder sensível do Espírito Santo fazia-se conhecer, esperando que o Messias volte em glória para amarrar Satanás e cumprir assim a libertação do mundo, sujeito ao poder do Inimigo.

De um modo geral, o poder do Espírito Santo, em virtude da glorificação celestial do Messias, exercia-se sobre a Terra como manifestação presente e antecipação da grande libertação futura. A revelação da graça, a boa Palavra de Deus, era anunciada, e o Cristão vivia na esfera onde essas coisas se manifestavam, e sofria a influência que ali se exercia. Essa influência era sentida mesmo por uma alma que tivesse sido introduzida no meio dos Cristãos, ainda que lhe faltasse a vida espiritual.

Ora, se após ter sofrido a influência da presença do Espírito Santo, saboreado a revelação da bondade de Deus e sentido as provas do Seu poder, uma alma abandonava a Cristo, já não restava nenhum meio de a renovar para a levar ao arrependimento. Os tesouros celestes estavam já gastos para ela, pois tinha-os desprezado como se eles nada valessem; tinha rejeitado a plena revelação da graça e do poder de Deus, depois de os ter conhecido. Que meio se poderia empregar agora? Era impossível voltar ao Judaísmo e à palavra do começo de Cristo, contida no Judaísmo, depois da verdade ter sido revelada; e, por outro lado, a nova luz tinha sido conhecida e rejeitada. Num caso destes, havia apenas a carne - e nada de uma nova vida! As sarças e os espinhos cresciam corno no passado. Não havia nenhuma mudança real no estado daquele homem...

Uma vez que tenhamos compreendido que esta passagem é uma comparação entre o poder do sistema espiritual e o Judaísmo, e que se trata do abandono do primeiro, após ter sido conhecido, a dificuldade da passagem desaparece. A posse da vida não é suposta, e a questão de se saber se possuímos essa vida não é abordada. A passagem fala, não da vida, mas do Espírito Santo como de um poder presente no Cristianismo. "Provar a boa Palavra" é ter compreendido o quanto esta Palavra é preciosa, e não ter sido vivificado por meio dela (2). É por isso que, falando aos cristãos judeus, o autor da Epístola espera, no que lhes diz respeito, melhores coisas que tenham a ver com a salvação, de modo que tudo aquilo que foi enumerado podia estar lá, sem a salvação! E também não poderia haver nenhum fruto, porque o fruto supõe a vida.

Todavia, o autor não aplica as suas palavras aos Cristãos Hebreus, porque, fosse qual fosse o seu estado espiritual, eles tinham dado frutos, tinham dado provas da vida. Ora, nunca o simples poder é, em si, a vida; e o apóstolo continua os seus raciocínios dando­-Ihes encorajamento e motivos para preservarem.

Notar-se-á, pois, que esta passagem é uma comparação entre o que possuía antes da glorificação de Cristo e após esta glorificação - entre o estado e os privilégios dos processantes nessas duas épocas, sem. questão de conversão pessoal. Se o homem, perante o poder do Espírito Santo e a plena revelação da graça, abandonava a assembléia e se separava de Cristo, voltando atrás, já não havia meio de ser ainda renovado ao arrependimento. O autor não queria, pois, pôr de novo o fundamento das coisas antigas acerca de Cristo, coisas já envelhecidas, mas sim avançar, para proveito daqueles que permaneciam firmes na fé.

Notar-se-á também que a Epístola, falando dos privilégios cristãos, não perde de vista o estado terrestre futuro, a glória e os privilégios do mundo milenário. Os milagres são "as virtudes do século futuro"; pertencem a esse Sacerdote; por consequência, no tempo atual, o Seu sacerdócio tem um caráter celeste. Todavia, Ele é pessoalmente Sacerdote segundo a ordem de Melquizedeque. O Seu sacerdócio põe, pois, de lado toda a ordem Aarônica, embora ela seja exercida agora segundo a analogia da de Aarão. Mas, pela sua natureza, ela dirige os nossos pensamentos para a existência futura de um reino que ainda não está manifestado. Ora, o próprio fato de essa realeza futura se ligar à Pessoa d'Aquele que estava assentado à direita da Majestade nos céus, segundo o Salmo 110, dirigia o olhar do Cristão hebreu, tentando a recuar, sobre Aquele que estava em cima; fazia-lhe compreender o sacerdócio que o Senhor exerce no tempo presente, libertava-o do Judaísmo e firmava-o no caráter celeste do Cristianismo que ele tinha abraçado.

(1) Todavia, a relação de Cristo como Filho neste mundo não pode ser separada da sua relação como filho eterno, porque esta empresta o seu carácter à primeira, enquanto que ele Estava na Terra, naquilo que é chamado o tempo. A passagem, no texto, refere-se aos versos 5 e 8 do capítulo 5, comparados com os versos 6 e 10 do mesmo capítulo. Compare-se também o início de João 17.

(2) De igual modo em Mateus 13: alguns recebem a Palavra com alegria; mas não havia raízes.

 

O verdadeiro cristão - Alerta: Superstição