EPÍSTOLAS AOS HEBREUS – CAPÍTULO 2

“ESTUDOS SOBRE A PALAVRA DE DEUS”

Tradução de “Synopsis of the Books of the Bible – John Nelson Darby

EPÍSTOLAS AOS HEBREUS – CAPÍTULO 2

Esta é a razão porque era tão necessário escutar a Palavra pronunciada, para que não fosse esquecida, nem na vida prática nem na memória.

Deus tinha mantido a autoridade da Palavra, comunicada por intermédio dos anjos, punindo a desobediência porque esta Palavra era uma lei. Corno escaparemos nós, pois, se negligenciarmos uma salvação que o próprio Senhor anunciou? Tal tinha sido o serviço do Senhor entre os Judeus - uma Palavra de Salvação que os apóstolos tinham confirmado, e que o poderoso testemunho do Espírito Santo estabeleceu.

Tal é exortação dirigida aos Judeus crentes, exortação fundada sobre a glória do Messias, considerada quer quanto à Sua posição, que quanto à Sua Pessoa.

Já observamos que o testemunho de que a epístola se ocupa é atribuído ao próprio Senhor. Por isso não é preciso procurar nesta epístola a Igreja, como tal considerada - o Senhor não falou dela senão profeticamente - mas é necessário procurar ali o testemunho do Senhor em relação com Israel, no meio do qual Ele permaneceu na Terra, seja qual for o alcance desse testemunho. O que os apóstolos disseram não é tratado aqui como confirmação da palavra do próprio Senhor, tendo Deus acrescentado ao testemunho deles o Seu próprio testemunho, pelas miraculosas manifestações do Espírito, que distribuiu os Seus dons a cada um segundo a Sua vontade.

A glória de que acima falamos é a glória pessoal do Messias, como Filho de David, e a Sua glória no tempo presente, durante o qual Deus Lhe disse que Se assentasse à Sua direita. Ele é o Filho de Deus; Ele mesmo é o Criador, mas há também uma glória em relação com o porvir, que Lhe pertence como Filho do homem. É disso que fala o segundo capítulo desta epístola, comparando-O ainda com os anjos, mas para os excluir inteiramente. No capítulo precedente eles tinham o seu lugar. A lei tinha sido dada por intermédio dos anjos. Eles são, da parte de Deus, servos dos herdeiros da salvação. Neste capítulo 2 eles não têm nenhum lugar, não reinam. O porvir não lhes está sujeito, isto é, esta Terra habitada, dirigida e governada como ela o será, quando Deus cumprir aquilo de que falou pelos profetas.

A ordem do mundo, colocado em relação com Jeová sob a lei, ou jazendo nas trevas, foi interrompida pela rejeição do Messias, que tomou lugar à direita de Deus, não Lhe estando ainda os Seus inimigos entregues para o Julgamento, porque Deus prossegue a Sua obra de graça, reunindo a Igreja. Mas Ele estabelecerá uma nova ordem de coisas obre a Terra: Será "o mundo habitado que há-de vir", será o porvir, mas esse mundo não estará sujeito aos anjos. O testemunho prestado no Antigo Testamento a tal respeito é o seguinte: "Que é o homem mortal, para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo lhe puseste" (Salmo 8:4-6). Assim, todas as coisas, sem exceção (à parte Aquele que lhes sujeitou), estão, segundo o propósito formado de Deus, sob os pés do homem, e em particular do Filho do Homem.

Estudando o Livro dos Salmos, vimos o que eu recordo aqui, isto é, que esse testemunho do Salmo 8 é, quanto à posição e à dominação do Cristo como Homem, um progresso sobre o Salmo 2. O primeiro Salmo apresenta-nos o homem justo, aceito por Deus, o Remanescente piedoso ao qual Cristo Se juntou; o Salmo 2 apresenta-nos os desígnios de Deus a respeito do Seu Messias, não obstante os esforços dos reis e dos governadores da Terra. Deus O estabelece Rei em Sião, e intima todos os reis a prestarem homenagem Aquele que ele anunciou como sendo o Seu Filho sobre a Terra. Em seguida vemos que, tendo o Messias sido rejeitado, o Remanescente sofre, e Pedro cita esse Salmo 2 para provar a sublevação das autoridades da Terra, tanto dos Judeus como dos Gentios, contra Cristo. Mas o Salmo 8 mostra que essa rejeição não fazia senão aumentar a esfera da Sua glória. Cristo toma a posição do homem, e o título de Filho do homem, e goza dos Seus direitos, de harmonia com os desígnios de Deus. Feito menor do que os anjos, Ele é coroado de glória e de honra; e não só os reis da Terra Lhe estão sujeitos, mas também todas as coisas, sem exceção, são postas sob os Seus pés (1): É o que o apóstolo recorda aqui. O Cristo já tinha sido rejeitado, e o Seu estabelecimento como Rei em Sião adiado para ser efetuado mais tarde. Tinha sido elevado à direita de Deus, como vimos, e tinha obtido um título mais extenso, embora o resultado da Sua elevação não estivesse ainda concretizado.

A epístola chama aqui a nossa atenção para este ponto. Nós não vemos ainda o cumprimento de tudo o que diz esse Salmo, a saber, que todas as coisas são postas sob os Seus pés; mas uma parte já está cumprida e tornou­-se, para os nossos corações, uma garantia do cumprimento de tudo o mais. Feito um pouco menor do que os anjos, Ele é coroado de glória e de honra; sofreu a morte, e foi coroado em recompensa do Seu trabalho pelo qual glorificou perfeitamente a Deus, ali, onde tinha sido desonrado, e salvou o homem, pelo menos aquele que crê, ali, onde estava perdido, porque Ele foi feito menor do que os anjos, a fim de que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos (versos 8 e 9). Parece-me que as palavras: "Por causa da paixão da morte", e "um pouco menor do que os anjos" se harmonizam, e que "para que, pela graça de Deus" se harmonizam, e que "para que, pela graça de Deus" é uma frase geral, ligada a toda a verdade apresentada.

Esta passagem, aplicada ao Senhor, mostra-no-Lo, pois, assunto ao Céu, após ter sofrido a morte, que, de uma nova maneira, Lhe deu direito a tudo, esperando agora que tudo seja posto sob os Seus pés. Mas uma outra verdade se liga a esta humilhação de Cristo: Ele tinha empreendido a causa dos filhos que Deus levava à glória, e devia, por conseguinte, entrar nas circunstâncias deles, sofrer as consequências, e ser tratado segundo a obra que empreendera. Colocar-Se nessa posição devia ser uma realidade, e convinha que Deus reivindicasse os direitos da Sua glória e a mantivesse perante aqueles que O tinham desonrado, e tratasse a Pessoa que tinha tomado em mãos a causa deles e Se apresentava diante d'Ele por eles, sustentando a causa deles, sob essa relação. Cristo devia consumar a salvação deles pelos Seus sofrimentos; devia sofrer as conseqüências da situação em que tinha entrado. A Sua obra devia ser uma realidade, de acordo com a medida da responsabilidade que tinha tomado sobre Si, porque se tratava da glória de Deus, ali mesmo onde estava o pecado. Ele devia sofrer, provar a morte, e isso pela graça de Deus para o pecado, enquanto que nós provamos a morte pelo pecado.

Isto faze-nos ver o Cristo tomando lugar, embora esteja à cabeça deles, entre aqueles que são salvos e que Deus conduz à glória. É o que esta epístola nos apresenta: Aquele que santificou, o Cristo - e os santificados, o Remanescente separado para Deus pelo Espírito, são todos de UM. O sentido desta expressão é simples, mas difícil de exprimir, quando se sai da abstração da própria frase. Note-se que é só dos santificados que isto é dito. O Cristo e aqueles que são santificados são todos uma mesma companhia, homens na mesma posição perante Deus. Mas a idéia vai um pouco mais além...

Este texto não diz: De um só e mesmo Pai. Se assim fosse, não poderia ter sido dito: "Ele não se envergonha de lhes chamar irmãos". Não teria pedido então fazer outra coisa senão chamar­-Ihes irmãos.

Se se dissesse que eles são da mesma massa, poder-se-ia dar à expressão um sentido demasiado largo, como se Ele e os outros fossem da mesma natureza, como filhos de Adão, juntamente pecadores. Nesse caso, Ele deveria ter chamado a todo o homem Seu irmão, - mas são somente os filhos que Deus Lhe deu, os "santificados", que Ele chama assim. Mas tanto Ele como os santificados se encontram todos Homens na mesma natureza e na mesma posição, juntamente perante Deus. Quando digo "a mesma" não quero dizer que seja no mesmo estado de pecado; pelo contrário, porque eles são Aquele que santifica e os que são santificados, na mesma verdade da posição humana, como ela está perante Deus enquanto a santificados para Ele - a mesma segundo a qual também Ele está como Homem, ele, o Santificado, na presença de Deus. É por isso que Ele Se não envergonha de chamar os santificados Seus irmãos.

Esta posição é completamente adquirida pela ressurreição; porque, embora, em princípio, os filhos Lhe tenham sido dados antes, Ele não os chamou Seus irmãos senão após ter acabado a obra que O habilitava a apresentá-los com Ele perante Deus. Na verdade Ele disse: "mãe, irmã, irmão"; mas não disse "meus irmãos" senão quando disse a Maria de Magdala: "Vai para os meus irmãos, e dize-Ihes que eu subo para meu Pai e vosso Pai para meu Deus e vosso Deus" (João 20: 17). De igual modo, no Salmo 22, quando, de entre os fortes touros de Bazã, clamou e foi atendido é que Ele anuncia o Nome de um Deus Salvador aos Seus irmãos e canta louvores no meio da congregação.

Falou-lhes do Nome do Pai; mas não podia formar-se o mesmo vínculo e não podia apresentá-los ao Pai, a não ser que o grão de trigo, caindo na terra, morresse para frutificar! Até lá, Ele ficava só, fosse quais fossem as revelações que lhes fizesse. E, de fato, Ele declarou o Nome de Seu Pai àqueles que o Pai Lhe tinha dado. Tinha, realmente, tomado a posição humana, e Ele mesmo estava na relação do homem com Deus. Guardava os discípulos em Nome do Pai. eles não estavam ai da juntos com Ele nessa posição de filhos; mas Jesus estava, como Homem, na relação com Deus em que eles deviam também entrar quando, pela redenção, tivessem sido reunidos a Ele. O efeito das explicações que o Senhor no fim do Evangelho de João, dá aos Seus discípulos, quanto ao estado em que Ele os deixava, foi colocá­-l0 na posição que Ele tinha, de fato, sobre a Terra, em relação com Seu Pai, e como testemunho para o mundo, ao mesmo tempo que a glória da Sua Pessoa como representando e revelando o Pai era necessariamente distinta. E, de fato, Ele associou-os a Si e a eles Se associou quando subiu ao Céu, embora corporalmente já não estivesse desde então sujeito às provações dessa posição (2).

Portanto, ele não Se envergonha de os chamar irmãos ao dizer, embora ressuscitado, ou antes, somente quando é ressuscitado: "anunciarei o teu nome aos meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação"; e, falando do Remanescente, separado de Israel: Eis-me aqui a mim, e aos filhos que Deus me deu, nós somos para sinais às duas casas de Israel", e ainda: "N'Ele por e a minha confiança" , (outra citação de Isaías 8). De igual modo nos Salmos, em particular no Salmo 16, onde declara que não toma o Seu lugar como Deus: "A minha bondade não se eleva até a ti", mas que Se identifica com os excelentes da Terra, que neles estão todas as Suas delícias. Estes "excelentes, ilustres ou notáveis da Terra" é ainda o Remanescente de Israel, chamado pela graça.

Cristo associa com Ele esses santificados homens, esses piedosos homens da terra. Na passagem citada trata-se sempre do Seu lugar na Terra. Os Seus sofrimentos, a Sua exaltação, a Sua glória futura, a Sua divindade, como temos visto, estão juntos aqui.

Tendo tomado este lugar como sendo da companhia dos eleitos, mas como sendo o Chefe, o Servo deles em tudo - teve de Se conformar com a posição deles. E é o que Ele fez. Tendo os filhos parte na carne e no sangue, também Ele dali participou; e isto para que, pela Sua morte, pusesse fim ao poder daquele que detinha o império da morte, e livrasse aqueles que, pelo medo da morte, tinham estado toda a sua vida sujeitos à servidão.

Também aqui, ao passo que o autor da epístola procura, como faz sempre, mostrar o lado glorioso e mesmo eficaz da parte mais humilhante, para habituar o fraco coração dos Judeus a esse aspecto do Evangelho, encontramos que o coração do Senhor ultrapassa em muito os limites de uma apresentação do Messias ao Seu povo. Ele não só é glorioso no Céu, mas também venceu a Satanás,mesmo lá onde ele exercia o seu triste império sobre o homem, e onde o Julgamento de Deus pesava duramente sobre este.

Impelido por um profundo amor pelo homem, o Filho, feito Filho de homem, entra de coração e de fato em todas as necessidades do homem, e submete-Se a todas as suas circunstâncias com o fim de o livrar. Toma - porque não estava nessa condição antes - a carne e o sangue a fim de poder morrer, porque o homem estava sujeito à morte. E (a fim de destruir aquele que exercia o seu império sobre o homem pela morte, fazendo tremer o homem ao longo de toda a sua vida, na expectativa desse terrível momento ­testemunho do Julgamento de Deus e da incapacidade do homem de se subtrair às conseqüências do pecado) toma o estado onde o homem se tinha engolfado pela sua desobediência a Deus. Porque, com efeito, o Senhor não empreendeu a causa dos anjos, mas sim a da semente de Abraão. Ora, para poder fazer a obra necessária para essa semente e apresentá-la eficaz e realmente perante Deus, teve de Se colocar na posição e nas circunstâncias em que ela se encontrava - embora não no estado em que se encontravam pessoalmente aqueles que dela faziam parte.

Notar-se-á aqui que é sempre uma família reconhecida por Deus que está sob o nosso olhar, como objeto da afeição e dos cuidados do Salvador - os filhos que Deus Lhe deu, os filhos de Abraão, segundo a carne, se nesta condição eles respondem a esta designação de "semente de Abraão", questão posta em João 37 -39, ou de Seus filhos segundo o Espírito, quando a graça lhes dá esse título.

Estas verdades introduzem o sacerdócio. Como Filho do homem, Ele foi feito um pouco menor que os anjos; e já coroado de glória e de honra, deve ter mais todas as coisas sujeitas sob os Seus pés. É o que nós ainda não vemos. Mas Ele tomou esse lugar de humilhação para provar a morte pelo sistema inteiro, que estava afastado de Deus, e para adquirir em pleno os direitos do segundo Homem, glorificando a Deus ali onde, pela sua fraqueza, a Criatura tinha falhado; e onde também o Inimigo, tendo enganado o homem pela sua astúcia, dominava, segundo o justo Julgamento de Deus, pela sua força e pela sua malícia. Ao mesmo tempo Ele provou a morte com o fim especial de livrar os filhos que Deus queria levar para a glória, tomando a natureza deles, reunindo-os santificados em volta de si, e não Se envergonhando de lhes chamar irmãos. Mas é assim que Ele ia apresentá-los agora perante Deus, segundo a eficácia da obra que tinha realizado por eles; quer dizer que e tornava Sacerdote, sendo capaz de, pela Sua vida de humilhação e de provação neste mundo, simpatizar com os Seus em todos os seus combates e em todas as suas dificuldades.

Ele sofreu, mas não sucumbiu, não se sofre quando se sucumbe à tentação. A carne tem prazer nas coisas pelas quais é tentada. Jesus sofreu, sendo tentado, e é capaz de socorrer aqueles que são tentados. É importante notar que a carne, movida pelas cobiças, não sofre. Infelizmente, ela goza quando é tentada! Mas quando, segundo a luz do Espírito Santo e a fidelidade da obediência, o espírito resiste, aos ataques do Inimigo, tão sutis, tão perseguidores, sofre-se. O Senhor sofreu assim, e nós somos chamados para sofrermos da mesma maneira. O que tem necessidade de socorro é o novo homem, o coração fiel, e não a carne - porque eu tenho necessidade de socorro contra a carne e para modificar todos os membros do velho homem.

Aqui o socorro de que temos necessidade refere-se às dificuldades que o santo encontra ao procurar cumprir toda a vontade de Deus. É aqui que se sofre, e é aqui que o Senhor, que também sofreu, pode socorrer. Ele andou por este caminho; aprendeu nele o que nele.se sofre da parte do Inimigo e dos homens. Um coração de homem sente o que é sofrer assim - e Jesus tem um coração de homem. Além disso, quanto mais fiel o coração for, quanto mais cheio de amor a Deus, menos tem da dureza resultante do convívio com o mundo, e mais se sofre. Ora, não havia nenhum endurecimento em Jesus. A Sua fidelidade era perfeita, como o perfeito era o Seu amor. Ele era homem de dores, sabendo bem o que é a fraqueza e o sofrimento. Ele sofreu ao ser tentado (3).



(NOTAS DO ESTUDO SOBRE HEBREUS – CAPÍTULO 2:)

1) Compare-se a resposta de Cristo a Natanael, no final de João I, e também Mateus 16 e Lucas 9, onde Ele ordena aos discípulos que não digam a ninguém ser Ele o Cristo, e onde declara que vai sofrer como Filho do homem, mas lhes anuncia a glória futura.

2) Isso, porém, em relação com Deus. Eles não representavam nem faziam conhecer o Pai, como ele o tinha feito. Além disso, embora sejamos introduzidos na mesma glória que Ele, e na mesma relação com o Pai, a glória pessoal de Cristo como Filho é sempre cuidadosamente mantida. Assim como alguém justamente observou, Ele não diz nunca "nosso" Pai quando está com os discípulos. Ele diz-lhes: Dizei "nosso", mas Ele próprio diz "meu Pai e vosso Pai", e isto é bem mais precioso.

3) Podemos notar neste capítulo quatro razões da humilhação de Jesus: Primeira, ela convinha a Deus, pois nela estava a Sua glória; segunda, a destruição do poder de Satanás, terceira, a propiciação pela Sua morte; quarta, a capacidade de simpatizar no Sacerdócio.

 

Referências para o estudo bíblico - As Parábolas Do Reino Dos Céus