AUXÍLIO ou EMPECILHO PERANTE O MUNDO

AUXÍLIO ou EMPECILHO

PERANTE O MUNDO

"[Eles] não são do mundo ... [mas] eu os enviei ao mundo" (João 17:14,16,18).

1) Na evangelização

No final de cada evangelho, após a ressurreição e antes de deixar os discípulos, o Senhor confiou-lhes a comissão missionária. As palavras são, na verdade um pouco diferentes, mas todas tem o mesmo sentido:

1 - fazer discípulos de todas as nações e ensiná-los;

2 - pregar o Evangelho a toda criatura;

3 - apregoar o arrependimento e o perdão de pecados em Seu nome a todas as nações;

4 - assim como o Pai Lhe enviou, Ele também os estava enviando.

Depois, no momento em que os deixou, reiterou com mais precisão: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra" (Atos 1:8). Os discípulos não eram mais que uns poucos homens em meio ao imenso Império Romano com todas as suas religiões pagãs. Em setenta anos, contudo, o Evangelho espalhar-se-ia por toda a região mediterrânea oriental do império e para mais além. O Senhor Jesus lhes disse: "Ide!". Ele prometera-lhes a Sua presença (Mateus 28:20), a Sua ajuda (Marcos 16:20), o Seu poder por ação do Espírito Santo (Lucas 24:49) e a Sua paz, para que O servissem e seguissem (João 20:21; 21:22; d. 12:26). Em Atos, os havia orientado que assim fizessem" até aos confins da terra".

Ele havia prometido: "Eis que estou convosco todos os dias" (Mateus 28:20). E o Espírito, que receberiam os transformaria em testemunhas. Deus hoje ainda opera pelo Seu Espírito e pela Sua Palavra, que mais do que nunca é propagada por este mundo. Só o Senhor sabe quantas almas tem sido conduzidas a Ele.

Para ser "testemunha", não há necessidade de ser "evangelista". O Senhor disse: "Sereis minhas testemunhas", e não: "Eu gostaria que fosseis minhas testemunhas" . No princípio, foram dados sinais e milagres para confirmar e dar credibilidade ao Evangelho. Mas é a Palavra de Deus que, sob a ação do Espírito Santo, opera e regenera: o Espírito convence de pecado (João 16:8), e a Palavra opera o novo nascimento (1 Pedro 1:23). A testemunha é chamada a proclamar o que tem visto e ouvido ou vivido.

Os crentes dispersos após o martírio de Estêvão eram gente simples que, partiram em diversas direções anunciando a Palavra de Deus, primeiramente aos judeus e depois aos gregos. "A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor" (Atos 11:21). Não nos é dito o nome de nenhuma dessas testemunhas. Elas tiveram de fugir da perseguição, mas, em todos os lugares por onde se espalharam, anunciaram a Jesus Cristo. Reuniam-se nas assembléias (igrejas) locais - como em Antioquia, onde foram firmadas na verdade pelas instruções de Barnabé, e mais tarde pelas de Paulo.

Ainda hoje, todo crente é chamado a ser testemunha. Estamos todos convencidos disso e dispostos a aproveitar todas as oportunidades que nos são dadas? Existem também os evangelistas, aos quais o Senhor confiou esse dom (Efésios 4:11) e a quem devemos sustentar com nossas orações e recursos materiais (atentem para o que lemos em Hebreus 13:16: fazer bem e "compartilhar" - tradução literal do texto original grego).

Antes de o Senhor Jesus enviar os discípulos a pregar e a curar, fez questão de que estivessem "com Ele" (Marcos 3:14). Em primeiro lugar, é necessário escutar o Mestre, falar com Ele e buscar a Sua comunhão. E, depois de ter pregado, voltar para junto dEle ­como os discípulos - e contar (1) e "tudo quanto haviam feito e ensinado" (6:30). Então Ele os conduz a um lugar deserto para descansar um pouco - a pausa também é importante! O que o Senhor representa para nós é mais importante que o nosso ·serviço para Ele. Permanecer nEIe é mais prioritário que fazer alguma coisa: primeiro ser, depois fazer. Em Sua comunhão, aprendemos a ser testemunhas, ou algum auxí1i01. Só então saberemos colocar a "gota de azeite" onde ela for necessária.


1) Em 1 Coríntios 12:28 vemos que alguns foram estabelecidos para prestar “socorros”.


Os obstáculos

Tocado de compaixão por elas, o Senhor Jesus ensinava as multidões. Quando a questão era alimentá-las, os discípulos sugeriram que Ele as despedisse, pois nada tinham para lhes dar de comer: "Não temos senão cinco pães e dois peixes". Quantas vezes ouvimos desculpas desse tipo:

"Não sei falar bem!"; "Não tenho assunto para falar!". No entanto, o Senhor Jesus multiplicou os cinco pães e dois peixes que tinham ali, e todos foram saciados. O pouco disponível tinha primeiro de ser levado ao Senhor. E Ele mesmo, depois que deu graças, confiou-o aos discípulos para que o distribuíssem ao povo (Lucas 9:10-17). São o tipo de argumentos de um Moisés (Êxodo 4:1,10-13), um Gideão (Juízes 6:13-15) ou dos espias enviados para sondar a terra (Números 13:31-32). São as desculpas dos convidados às bodas: "Comprei um campo [...] Comprei cinco juntas de bois [...] Casei-me e, por isso, não posso ir" (Lucas 14:18­20). Desculpas para não testemunhar, desculpas para não receber o testemunho ou aceitar o convite, ainda que se trate de um convite do próprio Senhor.

É difícil imaginar um crente que não tenha interesse pela obra de evangelização. Seremos um empecilho se não tivermos simpatia pelas almas perdidas - a compaixão que enchia o coração de Senhor Jesus quando via as multidões cansadas e dispersas "como ovelhas que não têm pastor" (Marcos 6:34). Não devíamos ter os mesmos sentimentos que Ele?

Existem empecilhos interiores e exteriores. Nos evangelhos e em Atos, são sempre os fariseus - cujo nome em aramaico significa "separados". Eles constantemente procuravam surpreender ao Senhor Jesus em alguma falta. Atrapalhavam o trabalho dos discípulos com o seu legalismo e as suas tradições. Os judeus também, de modo geral, eram inimigos do Evangelho, pois não aceitavam que fosse igualmente pregado às nações (1 Tessalonicenses 2:15-16). Quanta dificuldade não tiveram os irmãos de origem judaica que haviam sido conduzidos ao Senhor em aceitar que o Evangelho também era destinado às nações (Atos 11:3; 21:20-25 etc.)! Eles alimentavam o preconceito contra essa obra.

Cheio do Espírito, Filipe não opôs objeção para ir a Samaria, região desprezada pelos judeus. Depois, no caminho deserto que desce de Jerusalém a Gaza, foi instrumento para conduzir o etíope ao Senhor Jesus (Atos 8:5,26­-40). Ananias, a convite do Senhor, superou a hesitação e impôs as mãos sobre o temido perseguidor, saudando-o assim: "Saulo, irmão ... " {9: 17}. Pedro, levado pelo Espírito Santo, venceu o preconceito e dispôs-se a ir à casa de Cornélio (Atos 10).

No início da primeira viagem de Paulo e Barnabé, foram feitas orações e jejuns (Atos 13:3). Na segunda viagem, Paulo disse a Barnabé: "Voltemos, agora, para visitar os irmãos ... " (15:36). Barnabé, então, propôs que levassem consigo João, de sobrenome Marcos. Paulo, porém, não achou recomendável, e eles se separam, ao que parece, sem terem orado juntos. O Espírito então teve de colocar obstáculos no caminho de Paulo (16:6-7), até ele finalmente obedecer ao chamado do Senhor, mediante uma visão, e partir para a Macedônia.

Não basta ter zelo e entusiasmo pelo Evangelho. Se permanecermos em oração e na dependência do Senhor, iremos compreender que, sem Ele, não podemos fazer nada. Temos de nos dar conta de que nós não podemos converter as pessoas: essa obra é do Espírito. O nosso chamado é para sermos, antes de tudo, testemunhas. É falar a respeito do Senhor Jesus aos outros. É proclamar as Suas virtudes - todo o resto temos de deixar nas mãos do Espírito Santo.

É importante estarmos convencidos de que não há outro Salvador senão Jesus: "E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" {Atos 4:12}. Se estivermos convencidos de que o Senhor logo virá, segundo a Sua promessa, sentiremos também a urgência de difundir a mensagem da única salvação possível, empregando para isso os vários meios que Ele coloca à nossa disposição.

Por intermédio dos tessalonicenses, a Palavra do Senhor repercutiu na Acaia e em todo lugar (1 Tessalonicenses 1:8). Observe, porém, que eles a haviam primeiro recebido pelo ministério de Paulo (2:13). Depois, foram fortalecidos na por intermédio de Timóteo, fato que, aliás, era fruto da oração do apóstolo a favor deles (3:2,13). Em seguida, aprenderam como andar e agradar a Deus (4:1). Além do mais, o apóstolo não desejava que permanecessem "ignorantes" sobre o assunto do arrebatamento dos crentes ao encontro do Senhor (4:16-17). É toda uma operação da Palavra e do Espírito de Deus no coração que nos habilita para sermos canais para a divulgação do Evangelho da graça.

A notícia de que Pedro entrara na casa de homens incircuncisos e que comera com eles (Atos 11:3) chegou a Jerusalém mais rapidamente que o próprio apóstolo. Por ocasião de seu retorno, foi severamente censurado pelos irmãos severos e legalistas. Pedro, porém, não recorreu à sua posição de apóstolo para lhes dizer, por exemplo: "Sou apóstolo e sei o que faço". Não, mas com gentileza e cuidado lhes explicou todos os detalhes sobre como o Senhor o conduzira a Cesaréia e como o Espírito Santo fora derramado sobre todos os que haviam recebido a Palavra:

"Quem era eu para que pudesse resistir a Deus?" (v. 17). Foi então que aqueles judeus reconheceram que "também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida" (v. 18).

Quando um evangelista, especialmente se for jovem, deparar com oposição no tocante à obra que o Senhor lhe confiou, convém-lhe não se rebelar, antes, explicar com humildade e cuidado como o Senhor o conduziu e quais os frutos visíveis do serviço realizado.

Perseguições tem feito estragos ao longo de toda a história da Igreja. Mas os obstáculos colocados pelo inimigo com a intenção de impedir a difusão do Evangelho não impediram que este se propagasse até os nossos dias.

Que parte temos tido na divulgação do Evangelho, seja como testemunhas, seja em qualquer serviço que o Senhor nos tenha confiado? Para isso, é necessário que o nosso andar corresponda à oração do Senhor em João 17, onde afirma que não somos "do mundo" (v. 16). Se nos associarmos com o mundo ou o seguirmos em determinada medida, nosso testemunho não será mais um auxílio, podendo até se tomar empecilho. Há que se considerar, no entanto, que somos enviados "ao mundo" para levar as boas-novas da graça de Deus, e isso pode ser feito pelos mais diversos canais - porém sempre sob a Sua dependência.

O Senhor Jesus subiu ao monte para orar (Lucas 9:28). Pedro, João e Tiago, que o acompanhavam, estavam "premidos de sono". É possível estarmos em quietude a sós com Jesus e dormir, isto é, não buscar a Sua comunhão? Como ser testemunha de Sua Pessoa sem conhecê-Lo cada vez mais intimamente? Diz-nos a Palavra:

"Mas, conservando-se acordados, viram a sua glória" (v. 32). Sem que se tenha essa visão, não se poderá realmente anunciar o Evangelho de Sua graça.

 

2) Nas relações, no testemunho

Em Gálatas 6:9,10, somos estimulados a não nos cansar de fazer o bem "a todos, mas principalmente aos da família da fé". O socorro material sem dúvida é de grande importância, e 1 João 3: 17 ensina-nos que os nossos irmãos necessitados, claro, têm a prioridade. Mas note que a passagem de Gálatas também diz "a todos", "enquanto tivermos oportunidade". Se em nosso caminho depararmos com um necessitado, isso pode abrir uma porta para que também lhe apresentemos o Evangelho.

"Fazer o bem" também implica compartilhar com outros crentes, com os quais o Senhor ocasionalmente nos permite encontrar, os bens espirituais com que Ele nos tem agraciado tão ricamente. Não devemos reter esse "tesouro" somente para nós, antes, temos de passá-lo adiante, verbalmente, por escrito, mediante material impresso ou por qualquer outro meio que o Senhor possa empregar.

Todo o nosso comportamento é importante. O Senhor declarou aos discípulos: "Vós sois o sal da terra" (Mateus 5: 13). Não disse:

"Deveis ser", mas: "Sais". É desejável que, em toda a sua conduta neste mundo, o crente se preserve da corrupçáo2 é ajude os outros a se manterem distantes do mal. A má conduta de um filho de Deus, no entanto, é empecilho para o Evangelho e pode tomar-se num laço para os outros.

O Senhor Jesus também disse:

"Vós sois a luz do mundo". Trata­-se de um testemunho silencioso, porém muito claro. A lâmpada deve ser posta no lugar adequado, e não debaixo do "alqueire"3 (atividades profissionais) ou da cama (preguiça; Mateus 5:14-16). Essa luz "alumia a todos os que se encontram na casa" (v. 15; grifo do autor) e também as visitas (Lucas 8: 16). No mundo, essa luz brilha para todos. Um empecilho evidente para que ela não brilhe é o amor pelo mundo e o pendor para as coisas que estão no mundo: "Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele" (1 João 2:15).

Pela graça de Deus e pelo conhecimento da Pessoa do Salvador, os crentes têm escapado "da corrupção das paixões que há no mundo" (2 Pedro 1:4). Para que isso seja uma realidade prática, não podemos mais andar" como também andam os gentios" (Efésios 4: 17). Temos de aceitar que somos diferentes, não mais participar ativamente de coisas que podem nos distanciar do Senhor nem freqüentar lugares aos quais Ele não pode nos acompanhar. Tudo isso faz parte do testemunho. Devemos separar­-nos moralmente do mundo para Deus, mas temos de estar dispostos, como o Senhor Jesus, a auxiliar todos os que ainda se encontram distantes dEle (Lucas 5:29-32).

Tal atitude só é possível por meio da fé ativa, viva, que se mantém ligada ao Senhor: "Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé" (1 João 5:4). A fé tem interesses diferentes dos do mundo, outros tipos de alegria. Para o incrédulo, tudo isso lhe parecerá muito estranho (l Pedro 4:4), mas um dia terão de prestar contas a Deus, que estará pronto para julgar os vivos e os mortos. Enquanto esse dia não chega, continuaremos a dar testemunho do valor de tudo que Deus tomou precioso ao nosso coração e, em primeiro lugar e acima de tudo, da Pessoa de Seu Filho, Jesus Cristo.

(Continuará na próxima edição)

2) Nos tempos bíblicos, sal era um recurso para a preservação de alimentos.

3)  “Alqueire” era uma medida utilizada no comércio (para gãos, por exemplo). E uma alusão ao trabalho, de forma geral.

 

G. André

 

A família segundo o plano de Deus